quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Antes do Dia D

Por volta de 1987/88 em uma das minhas consultas com a terapeuta a questão que levantei, foi um certo receio com relação a casamento. Receio não...eu tinha medo mesmo, mas não era medo de casar, era medo do que vinha ANTES do "Dia D" .

Depois de algumas sessões com minha terapeuta sobre este tema,cheguei a uma lembrança da minha infância. Digamos que entrei em um transe leve, chegamos ao motivo do medo!

Eu deveria ter mais ou menos uns três, quatro ou cinco anos, não sei ao certo. Eu e minha avó paterna estávamos no portão da casa onde morávamos, uma mulher veio conversar com minha avó, só me lembro de algumas coisas, a mulher falou alguma coisa para minha avó.

_ Ela tá ai? Perguntou a vó.

_ Tá ai! Respondeu a mulher.

Minha avó virou-se para o portão e gritou :

_Ohhh Cida, estou levando a menina comigo, já volto!

_ Onde a gente vai vó? Perguntei relutante, não queria ir, por algum motivo aquela criança não queria ir, mas a vó, tinha lá sua curiosidade, e respondeu:

_ Vamos ver a noiva filha!

Animada, reforcei o "grito" para minha mãe :

_ Mamãeee vou com a vó ver a noiva!

Segui com minha avó me segurando pela mão e esta outra mulher do lado falando sem parar, no final da rua, uma casa, portão aberto, um entra e sai de gente danado.

Entramos pelo quintal da casa, fomos até o fundo onde havia outra casinha, onde a noiva iria morar depois do casamento.

Um sapato de homem na porta da casa da noiva, cheio de sangue foi a primeira coisa que eu vi, o chão mal lavado com a água rosada. Lembro de algumas palavras soltas como por exemplo: Ele chegou.... vieram conversar aqui...ela não queria mais... revólver... acabou assim.... ele perdeu a cabeça,.. ele também morreu... a esta altura o cenário já estava gravado em minha mente e está até hoje, tanto que estou escrevendo este texto.

Minha avó tentou reverter a coisa, acho até que se arrependeu por ter me levado, mas não havia mais o que fazer, eu estava vendo tudo aquilo.

Ouvi algum comentário entre minha avó e a mulher que nos acompanhava, mas eu não conseguia prestar atenção em nada a não ser na cena que eu tinha visto. o sapato, o chão molhado, palavras soltas. Com toda certeza eu deveria estar me perguntando naquele momento, onde estava a "noiva" que minha vó me levou pra ver...

A vó me pegou pela mão, entramos na sala da casa principal, pela primeira vez na vida eu vi aquela caixa grande no meio da sala, acho que descobri ai o que acontecia quando as pessoas morriam, se é que a esta altura eu já sabia o que significava esta palavra. Eu não entendia porque aquele "casamento" estava tão triste. Claro, Noiva lembra casamento!

Lembro-me vagamente de pessoas me olhando, tive medo, acho que queria ver a noiva e ir embora. Perguntei:

_Vó, cade a noiva?

Minha vó pegou-me no colo, aproximou-se do caixão e meus olhos viram aquela mulher vestida de noiva, um buque nas mãos que cruzadas envolviam um terço, sapato branco, vestido branco, eu vi a noiva... só não era o que eu esperava encontrar... em minha fantasia de menina, imaginei minha boneca Susi, que eu vestia de noiva e agora iria saber o que era o casamento pra brincar com minha irmã depois.

Minha vó me colocou no chão e saindo da sala começamos o caminho de volta pra casa, sei que perguntava coisas e minha avó respondia do jeito dela.

Depois desta sessão terapêutica, perguntei a minha mãe sobre este fato, minha mãe disse que não ouviu, nem conseguiria porque nossa casa havia sido construída em um terreno caído para o fundo, hoje eu chamaria de um "cortiço de luxo", no mínimo cinco casas ribanceira abaixo, a nossa era a segunda do "trem". Ela me falou quem era a moça, o que aconteceu com ela e falou que só soube depois que minha avó havia me levado lá, que ela não teria deixado eu ir, bem ela deve ter descoberto naquela noite mesmo, quando possivelmente dei trabalho pra dormir rsrs

Não culpo minha avó que sempre foi a doçura em pessoa, ela não teve a intenção de me impressionar ou me assustar, ela nem mesmo sabia o que ela encontraria lá.

Mesmo sem querer, nossos pais, avós e familiares, podem criar traumas, medos, inseguranças, que poderiam ser evitados explicando acontecimentos que por ventura a criança venha a viver ou a saber. Explicar as coisas como são de verdade, não inventar e florear motivos para reverter o fato a nosso favor, seja ele por qual motivo for, é imprescindível esclarecer e desmistificar.

Não podemos esquecer que uma imagem ou um acontecimento visto, será lembrado por esta criança e poderá deixar sequelas que ela levará para sua vida adulta e só conseguira elucidar se por ventura um dia precisar buscar ajuda de um terapeuta em algum momento conflituoso da vida e com sorte consiga trazer a tona algo que foi marcante na infância.


Ps: A terapeuta fez um bom trabalho comigo, depois disso me casei !


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